Ainda que tenha sido publicado como "opinião", não deixa de ser surpreendente que um jornal israelense da importância que tem o Haaretz abra as suas páginas para o artigo de Gideon Levy que compara o terror atribuído ao Irã com aquele praticado por Israel. O próprio Levy é figura controversa em Israel por ser extremamente crítico em relação à ocupação dos territórios palestinos, embora tenha sido conselheiro de Shimon Peres, ex-primeiro ministro e atual presidente do país, entre 1978 e 1982. Logo, os seus artigos são territórios férteis para as mais variadas polêmicas que geralmente ferem o instinto de defesa do governo israelense. E é sempre bom ver exemplos de liberdade de expressão, de imprensa e democracia num país tão conturbado pelos problemas políticos internos e externos. O corajoso artigo publicado hoje fala dos recentes atentados terroristas a embaixadas de Israel na Geórgia, Índia e Tailândia, e merece ser traduzido na íntegra:
Irã usa terror para alvejar civis, e Israel faz o mesmo
Quem é contra o terror? Nós todos levantaremos nossas mãos devotamente. mas as pessoas que são verdadeiramente contra o terror devem também dizer: contra todo terror, qualquer terror, seja ele iraniano, palestino ou israelense.
Um grande milagre aconteceu em Tbilisi, Nova Deli e Bangkok, e junto com esse milagre ficou clara a inépcia que voa na cara das pretensões e ambições iranianas. Mas a intenção era clara e grave: tirar vidas israelenses, especialmente dos diplomatas e outros representantes oficiais do Estado. Isso é terror.
Os assassinatos dos cientistas iranianos não foram menos terroristas, vamos admiti-lo. Terror é terror, tanto contra diplomatas exatamente como contra os cientistas, mesmo que esses últimos estejam desenvolvendo armas nucleares. Não há grande diferença entre uma tentativa de matar um representante do Ministério da Defesa de Israel e um ataque a um físico nuclear iraniano. Há físicos nucleares em Israel e também se, Deus me livre, alguém tentasse assassiná-los, isso seria corretamente considerado um terror cruel.
E assim, quem usa esses métodos de assassinato deploráveis não pode ser crítico quando alguém tenta imitá-los. E por que o mundo deplora os atos terroristas do Irã - como o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse ontem - e não deplora os outros? Há países especiais que são autorizados a matar à vontade, e outros que não são?
Ambos os tipos de países devem ser denunciados. Os métodos desta vez foram surpreendentemente similares. Dispositivos explosivos magnéticos estavam grudados nos carros, como em visitas do submundo, não foi um ataque cego em massa, mas do tipo que é direcionado contra os ocupantes de um carro, cujo destino está selado, a menos que milagres e incompetência operacional prevaleçam.
As pessoas que ficaram impressionados com o assassinato dos cientistas iranianos - e há muitas dessas pessoas em Israel - aqueles que dizem com uma piscadela típica de Israel que "isto não deve ser lamentado", mas ignoram o fato de isso dá ensejo a que outro terrível ciclo desnecessário de sangue seja iniciado. Qual é a utilidade em se matar um cientista, que é então substituído por outros três?
Que vantagem havia no tempo em que se matava um perigoso terrorista palestino quando o seu lugar era tomado por outros 10? O assassinato a sangue frio do Dr. Thabet Thabet em 2001, um dentista de Tul Karm [na Cisjordânia] e ativista da paz que não merecia morrer, também lançou as bases para a tentativa de assassinato em Nova Delhi.
O assassinato de Imad Mughniyeh do Hezbollah, um terrorista confesso que merecia morrer, pode ter salvo as vidas de muitos israelenses, mas colocou as vidas de muitos outros em risco.
É assim que funciona esse ciclo cruel das guerras de assassinato. Mas em Israel as pessoas que moram em casas de vidro estão ansiosas para atirar pedras. Aqui, as pessoas ficam impressionadas e torcem por assassinatos patrocinados por Israel e ninguém tem perguntas ou dúvidas, quer sobre a sua moralidade ou a sua eficácia. Estamos autorizados.
Aqui as pessoas ficam chocadas por tentativas de assassinato por árabes ou iranianos, mas se divorciam completamente dessa conclusão quando se trata de assassinatos cometidos a mando dos israelenses. Como disse um colunista do jornal Israel Hayom esta semana: "Atacar Israel está no DNA deles". Deles? E quanto a nós? O escritor se esqueceu, e nos fez esquecer, o nosso DNA que, também, apoia assassinatos, incluindo de inocentes às vezes.
O número de assassinatos de palestinos vem reduzindo nos últimos anos e foram realizadas principalmente em Gaza, e assim as listas de alvos marcados para morrer do serviço de segurança Shin Bet e as Forças de Defesa de Israel são agora mais curtas. Isso é uma coisa boa.
Mas de acordo com os dados do grupo de direitos humanos B'Tselem, Israel atacou e matou pelo menos 232 palestinos nos territórios entre o início da segunda Intifada e Operação Cast Lead, um período de cerca de oito anos. Durante esses ataques, cerca de 150 pessoas inocentes foram mortas, incluindo mulheres e crianças.
Estes assassinatos, a maioria dos quais não tinha como alvo "bombas-relógio", foram atos de terror. Eles não são muito diferentes das tentativas criminosas iranianas no outro lado da Ásia. O representante do Ministério da Defesa em Nova Dehli não merece morrer, nem o Dr. Thabet Thabet. Os cientistas iranianos provavelmente não mereciam morrer também.
Em fevereiro de 1990, o então ministro da Indústria e Comércio, Ariel Sharon, perguntou aos delegados para a convenção do Comitê Central do Likud: "Quem é a favor de acabar com o terror?" Um mar de mãos voaram para cima. Hoje, a pergunta deveria ser: Quem é contra o terror? Vamos todos levantar nossas mãos devotadamente. Mas as pessoas que são verdadeiramente contra o terrorismo devem também dizer: contra o terror, contra qualquer terror, seja iraniano, palestino ou israelense.
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