quinta-feira, 8 de novembro de 2012

UM POTIGUAR PELAS TERRAS SUL DO BRASIL


Falar com o Zelito Coringa é um barato (ainda se usa essa gíria?). Apresentados pelo Filipe Castro, levei-o pra tomar um sorvete e fugir um pouco do calor da redação da Gazeta do Povo. Mal sentamos e o cara já começou a declamar um poema lindo à maneira de cordel. Depois, muitas histórias de vida e de arte desde a infância em Carnaubais, no Vale do Assú, Rio Grande do Norte, até este giro pelo Sul que passou por Florianópolis e desembarcou em Curitiba.

Por aqui, Zelito já tocou no Bardo Tatara e ainda vai tocar no Café Parangolé, como vocês podem ver pelo cartaz aí acima. Também vai fazer uma oficina sobre literatura de cordel para crianças na Casa Labirinto (cartaz ao lado), um local de atividades pedagógicas. E no domingo, é convidado do grupo Areia Branca para tocar na Sociedade 13 de Maio.
O show é o "Candeeiro de Cem Vôtis". Como o nome explica, é um encontro do candeeiro com a voltagem elétrica, mas a expressão Vôtis lá no Rio Grande do Norte também significa um susto, uma surpresa. Tocará junto com o Filipe Castro e com Renato Rocha.

Zelito é Coringa, mas não é apelido, é nome mesmo. Mas tal a carta do baralho, de muitas utilidades e instrumentos.

Esse vai ser vagabundo

Cantador e violeiro que apreendeu sozinho, primeiro observando as cantorias de pé de parede (cantadores que percorriam a região a troca de abrigo e comida e recolhiam o dinheiro após as apresentações), promovidas pelo avô, seu Chico Bezerra, plantador de algodão e que foi, ao mesmo tempo incentivador e carrasco do neto. O incentivo veio justamente dos apoios aos artistas. Ao mesmo tempo, ao ver a tendência do neto de gostar das artes, dizia: “Esse vai ser vagabundo”.

“Nasci no mato, fui criado entre a educação da minha mãe e a brutalidade do meu pai”, conta Coringa. O pai era trabalhador rural e a mãe, educadora. Ele tinha de trabalhar no roçado, mas quando podia gostava de cantar e construir instrumentos musicais com o que tivesse à mão.

Aos 17 anos, participou de um festival estudantil que escolheria a melhor voz da cidade. Foi um fracasso que quase lhe custou a carreira (só que não). Ele escolheu interpretar a música “Pedra não é gente ainda”, de Pepeu Gomes, que tem uma introdução complicada, sem deixa para a entrada do cantor. Ele se atrapalhou entrou errado e desafinado e foi vaiado. Uma decepção.

Depois disso, decidiu parar de estudar (claro, ser vaiado na competição estudantil, pelos próprios colegas). “Se fosse hoje, falariam que foi bullying”, diverte-se Zelito. Ele então teve de se dedicar ao trabalho, mas nunca esqueceu a música.

Sem calcinha

Com tarrachas de um violão quebrado que fora de um tio, ele se animou a construir um novo violão. Conseguiu ir montando aos poucos, mas faltava o corpo. Precisava ser de uma madeira de tamanho certo, mas que o “lutier” improvisado pudesse esculpir com suas pequenas ferramentas. Lembrou então de uma tábua de lavar roupa que uma vizinha usava na beira do rio. A vizinha costumava lavar roupa sem calcinha, então é claro que ela foi uma lembrança fácil. Quem sabe, depois do instrumento pronto, não saísse dali outras lembranças. E assim foi.

A primeira canção que deu a Zelito um certo reconhecimento foi uma carnavalesca que ele compôs e costumava cantar embaixo de um pé de juazeiro, quando conseguia fugir dos outros afazeres. A irmã ouviu e contou para uma amiga que, por sua vez, era namorada de um presidente de um bloco da cidade de Macau, a mais carnavalesca do Rio Grande do Norte.

“Um dia vejo um carro Scort chegando na minha casa, era o presidente do bloco que queria ouvir minha música e me levou para Macau”, lembra Coringa (fazendo jus ao sobrenome). O resultado é que ele foi, saiu tocando contrabaixo e o bloco Os Depravados, com duas músicas dele, subiu do grupo secundário para o principal.

Estava iniciada a carreira artística de Zelito Coringa. A ponto de ele ser chamado para ser jurado no próprio concurso no qual, tempos antes, havia sido vaiado.

Influências

Zelito começou sob influências de Dolores Duran, Cartola e outros clássicos que ouvia em casa. Mais as cantorias de pé de casa, promovidas pelo avô. Além de rock nacional e estrangeiro que um primo lhe apresentou durante um período. E agora já tocava com instrumentos profissionais, mas nunca abandonou o lado lutier.

Ele construiu e toca até hoje uma rabeca de 9 cordas, que criou e que nominou de Zébeca. Também adaptou um aparato feito com canetas Bic com o qual raspa as cordas do violão e tira um som de sanfona. A este dá o nome de Fole Bic, ou Folebic, ainda não decidiu, mas já pensa em um possível patrocínio da fabricante de canetas. Além disso, é estudioso de afinações alternativas dos instrumentos, em busca de sonoridades “diferentes”.

Lançou um único disco, em 2001, chamado “Passo Hippie”, que trazia um pouco dessas influências todas. Em 2004, em Carnaúbas fez um trabalho com Antônio Francisco, considerado um dos maiores cordelistas do país, membro da Academia Brasileira do Cordel, que assumiu a cadeira de Patativa do Assaré. E desde então esta linha de unir canção e cantoria baseada no cordel é uma das vertentes no trabalho do Coringa.

Cangaço e cinema

Além disso, faz trilhas para teatro e em 2006 participou do projeto de recuperação do longa “Jesuíno Brilhante: Cangaceiro”, feito por William Cobbett, para o qual fez nova trilha sonora e o cordel “Diário de Chão Brilhante”. O filme é de 1972 e retrata do cangaceiro Jesuíno Brilhente (1844 – 1879), protanto anterior a Lampião, do final do século 19, abolicionista e republicano, chamado de Robin Hood do sertão pelo pesquisador e folclorista Câmara Cascudo.

O filme havia sido destruído na época da ditadura militar e o projeto de recuperação foi feito por uma filha do diretor, Tatiana Cobbet, que hoje mora em Florianópolis e coordena o projeto “Musicasa”, criado pela violonista e compositora Badi Assad. A proposta é convidar artistas para passar uma temporada na casa, ministrando oficinas e fazendo apresentações. Graças a essa ida a Floripa é que Zelito Coringa dá uma passada também por Curitiba, recepcionado pelo amigo potiguar Filipe Castro (Sarará), percussionista de muitas atividades em Curitiba (Locomotiva Duben e MUV, entre outros).

Até o fim do ano, ele pretende lançar o áudiocordel Sonho dos Piauís, em homenagem aos 4 mil carregadores que trabalham na Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo). A grande maioria deles é de nordestinos.

Então, perde não esta pequena grande oportunidade de ouvir Zelito Coringa.
Fonte: Luiz Claudio: Jornal Gazeta do Povo - Paraná

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